Guilherme Rey

March 18, 2024

E o cafezinho?



Eu sempre fui um apreciador do famoso cafezinho, aquele preto e bem forte que a gente compra na padoca (a padaria dos paulistas, como eu). Recentemente, conheci o mundo dos cafés especiais, que me fez deixar de gostar do cafezinho da padoca e começar a comprar grãos de café para moer e fazer em casa, usando algumas técnicas que aprendi com um amigo barista. Com a proporção certa, a temperatura da água perfeita e uma boa técnica, dá pra tirar sabores e aromas que eu nem imaginava que seria possível.

Mas a verdade é que por mais que eu ame um cafezinho, da padoca ou especial, ele é quase sempre um facilitador para boas conversas. Acho que dá pra afirmar que quase todos nós já chamamos alguém pra tomar um café com esse objetivo.

Mas é no mundo corporativo que o cafezinho é mais famoso. Lá ele é visto quase que como um catalisador de relações humanas, fazendo com que pessoas se encontrem, troquem figurinhas e até, quem sabe, colaborem para resolver problemas que não sabiam resolver sozinhas.

Será? 🤔

Esse é um dos argumentos que mais escuto quando começo a debater sobre o modelo que hoje emprego na minha empresa, o remote-first.

“Como você pode achar que o remoto funciona para empresas? Perder o cafezinho que tomo sempre, podendo falar sobre as tarefas e objetivos, isso é insubstituível!”

O argumento do cafezinho é sobre, principalmente, cultura. O que tenho visto aos montes são empresas e líderes advogando contra o modelo remote-first a partir deste tipo de pensamento, dizendo que é impossível criar uma cultura empresarial se não através de relações sociais presenciais. Para essas pessoas, quem não está presencialmente não cria relações, não é visto e não gera valor para a empresa.

Isso é mentira.
O erro primário é achar que a cultura e o modo de trabalho no remote-first será emulado como uma empresa comum, no formato presencial como é feito há décadas e décadas. Se você escolhe o caminho do trabalho remoto, tem que estudar e entender como aplicá-lo para que sua empresa crie uma cultura diferente, focada em resultados e pessoas.

Para mostrar que o argumento que vem do cafezinho não tem sentido, pense nas seguintes perguntas:

  • O que acontece se alguém acabou de entrar na sua equipe? Ela tem acesso fácil a todas as reuniões e decisões que vocês tomaram nas últimas, quem sabe, seis semanas?
  • Como funciona a comunicação entre todos da sua equipe? Existem montes de chats individuais esperando respostas durante o dia todo? “Oi, tudo bem? Pode falar” ou coisas do tipo?
  • Sua agenda está lotada de reuniões que você sabe, dentro de você, poderiam literalmente ser um email?

Normalmente essas perguntas nos fazem refletir e perceber que as empresas com trabalho presencial como conhecemos não deixa as pessoas serem produtivas. Elas estão em busca da sua hora, não do seu resultado.

Mas, para quem trabalha em empresas remote-first, toda informação tem que estar disponível para todos, a qualquer momento. Alguém entrou agora na empresa e quer entender como funcionou o processo de decisão de um projeto específico? Está lá, disponível. Um colaborador não pode estar em uma reunião inevitável com o cliente? Todas as informações e decisões estão lá, disponíveis para consulta e aprendizagem, a todo tempo.

A comunicação deve ser quase que inteiramente assíncrona, ao invés de síncrona. Isso significa que aquelas conversas que começam com um solitário “Oi, tudo bem?”, aguardando uma resposta para então prosseguir, não existem. Crie mensagens que possam ser respondidas no tempo do outro, documentadas e bem escritas, para que isso vire conhecimento da empresa.

Como bem colocado no site da 37signals, em tradução livre:
A expectativa de resposta imediata está em toda parte. Nem tudo em tempo real é em escala humana, mas é assim que muitos trabalham e se comunicam hoje em dia. Não nós. Achamos que a urgência é superestimada e o mais rápido possível é um veneno. O tempo real é o momento errado na maioria das vezes.

Menos reuniões: uma reunião com todos da empresa para falar sobre andamento de algum projeto, de mais de uma hora de duração? Alerta de bandeira vermelha! Reuniões diárias para atualizações e mudanças bruscas de caminho? Corra! A verdade é que os melhores resultados são atingidos quando se tem mais liberdade para ser produtivo. Trabalhar três horas sem interrupções e ansiedade de reuniões é muito mais produtivo do que oito horas com reuniões e interrupções a todo tempo.

Achar que ir até o cafezinho a todo tempo fará com que você conheça pessoas de outros departamentos, descubra problemas em que pode trabalhar em conjunto só demonstra uma fraqueza colossal na gestão da empresa.

Com apenas essa pequena reflexão dá pra começar a perceber que a maioria das empresas que tem advogado sobre o modelo remote-first deveriam, na realidade, estar estudando como aplicar a cultura do remoto em seus trabalhos presenciais. Com certeza seriam mais produtivos, menos falaciosos e focados nas pessoas - oferecendo locais mais interessantes para se trabalhar.

A verdade é que no trabalho remoto ainda há a possibilidade - e isso é recomendado - de se chamar os colegas para um cafezinho. Mas se for fazê-lo, que seja com um café especial, hein?

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Ainda tenho muito para falar sobre o trabalho remoto (que inclusive não é home office).

Até a próxima!

About Guilherme Rey

Empreendedor, Professor e Cientista da Computação. Gosta de falar sobre tecnologia, pessoas e negócios.