Paulo Pinto

March 15, 2021

Gary Frinchas

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Gary Frinchas acabara de se sentar no canto mais recatado do Café Lux (Stop) WR. A luz vespertina e oblíqua, que se depositava no tampo da mesa de madeira dada ao desgaste dos dias, não era uma luz qualquer. Gary, como três dos seus irmãos e o seu pai, percebia como se comporta a luz quando atinge uma superfície. Sabia que a luz não é refletida da mesma forma por todas as superfícies e cores, e nem mesmo pelos diferentes pontos que constituem uma superfície. Aquela mesa do Café Lux (Stop) WR refletia a luz de uma forma crescente-decrescente em cada um dos seus pontos de concavidade, transformando a tridimensionalidade do espaço numa dimensão suspensa carregada de energia, como que por óxido-redução. Quantidades significativas de haletos escorriam pelo tampo até ao chão coberto por uma camada de pó fino, invisível a olho nu, que nem mesmo a insistente entrada e saída de pessoas conseguia revelar. O café que acabara de lhe ser entregue – dentro de uma chávena especialmente aquecida à temperatura de 27ºC – parecia um líquido gelatinoso e ácido que bebia com a calma e serenidade próprias de quem sabe que saiu de casa para conseguir algo digno de registo. E contudo, Gary apenas estava destinado a pequenos feitos. ¶

A mesa do canto, ou a mesa do Gary, ou a mesa onde dia após dia a ideia tomava forma, era ponto de encontro para meia mão cheia de nostálgicos do triacetato de celulose e outra meia de adeptos do silício. As suas discussões orbitavam em torno de diferenças – na sua grande parte – neglibible [neɡ.lɪ.dʒə.bl̩].


Paulo Pinto
– Logorreias (edição limitada)