Paulo Pinto

March 28, 2021

O olho que se fecha


O O L H O que se fecha. É com ele que sinto. O sorriso estampado no rosto que acompanha o movimento sincopado é o que recupero do que falta no lugar da minha memória. Vejo-me a mim próprio na sombra que de mim se projeta. Uma sombra maior do que o meu corpo, pois sou eu e mais tudo o que já vivi. Tapo o rosto e com ele a sombra. Há um olho que sente. Registo na memória aquilo que sou e faço. E é na luz que me desvaneço. Luz que é só a impressão do que fui, de uma intensidade colorida, cor de fogo embranquecido, expandindo-se no que resta de mim outrora. O que fica do que passa é sempre uma sensação ou uma boca aberta. O que fica do que passa é um jogo impressionista intimista e intenso. Cor que é feita de sombras e de outras luzes. Na total escuridão, o som propaga cada um dos pontos em que me revejo, numa energia de átomos em “passeio aleatório”. Desvelam-me, por fim. A tela que se abre deixa atrás de mim uma marca de perenidade. E eu, boquiaberto, reconfiguro-me no tempo e no espaço. A minha boca é grito, desespero, sufoco, canto silencioso cuja tessitura é tão grande como a memória que transporto. O que fica do que passa questiona a forma como nos relacionamos com a memória. A memória como sensação. Uma dança onde o que vemos é o que provém de nós próprios. Do escuro, apenas impressões.