
O Tempo está intimamente ligado aos mitos da criação. É estranho e abstrato, logo de difícil compreensão. Com ele nasce a consciência de sermos no mundo, nasce a identidade e a ordem. O Tempo evolui, indiferente à nossa vontade de dominação e, contudo, psicodinamicamente relançamo-lo num jogo de sobreposições temporais, redutíveis a pequenos pontos que se mostram incapazes de resistir à irreversível linearidade que a tradição judaico-cristã nos incute. ¶
Na circularidade imponente dos movimentos astronómicos encerra-se uma escatologia apenas mitigada com recurso à história, numa regressão que nos coloca perante os deuses da mitologia grega. In illo tempore, Chronos, que se criara a si próprio, une-se em espiral à sua companheira Ananke (a inevitabilidade). Ambos abraçam o ovo primogénito. Ab ovo forma-se o Universo em harmonia com a Terra, mar e céu. Uma homonímia forçada confundirá o criador de todas as coisas com o titã Cronos, filho mais novo de Úrano e Gaia. Diferentes na etimologia, ambos personificarão um tempo cíclico e circular que reduzirá a história a uma mera repetição de si mesma, num movimento de mimetismo astral. Na mitologia grega, Chronos devora o seu filho. O mesmo faz Cronos com todos os filhos recém-nascidos, imortalizando-se no desenho da imagem móvel de uma imóvel eternidade. ¶
Se a nostalgia do tempo é incompatível com o Eterno Retorno, no fragmento dos dias, a ausência do mito esvazia o seu conceito. No presente da nova conceção temporal, perdem-se circularidade e linearidade em prol de um ponto fixo absorvedor de memórias. A história, cujas fundações radicam no futuro, teima em vencer a presentificação, lutando contra uma quase inevitável diluição na imagem. Nesta, fundem-se passado, presente e futuro. O prazer volátil e fugaz que nos dissocia do Tempo — e que encontra perfeito aliado no progresso da ciência — confunde objetividade e mitologia. ¶
O Tempo perdeu a poesia.